Quando conversamos com alguém sobre o caso de um executivo do mercado ou de um empreendedor de sucesso, dificilmente nosso interlocutor vai pensar que o sujeito em questão é um médico. Isso porque fomos condicionados a pensar que o destino dos profissionais formados em áreas de saúde é um só: o do atendimento ao paciente, trabalhando em clínicas e hospitais e, eventualmente, ao consolidar sua carreira, abrindo consultório próprio. Nesse script, é esse o único caminho para que o médico exerça sua vocação: salvar vidas.
Porém, como diria o slogan de uma famosa campanha publicitária, está na hora de rever seus conceitos! A área médica passou por grandes transformações nas últimas duas décadas, justamente durante o período em que eu, como médico, tive a honra de servir distintas organizações. Tenho testemunhado essas mudanças na pele, na prática. E acho que precisamos falar mais sobre isso, porque o leque de oportunidades se abriu muito, e essa é uma ótima notícia para quem já é da área, está cursando a faculdade de medicina ou tem esse plano/sonho!
A medicina nasceu da necessidade de acolher, ajudar e melhorar a vida dos seres humanos. Passou por um aprendizado empírico, no Egito antigo, e se aperfeiçoou na Grécia, com Hipócrates, o pai da Medicina. À medida que o conhecimento médico se tornou mais complexo e mais profundo, foram surgindo as especialidades, que hoje, no Brasil, são 55 devidamente regulamentadas, sob a cuidadosa guarda da Associação Médica Brasileira (AMB).
Mas a virada do modelo tradicional para o atual ocorreu a partir da década de 90, com a revolução digital na saúde, o surgimento e amadurecimento do setor privado, o desenvolvimento do sistema público de saúde e o crescimento de grupos hospitalares e de diagnósticos. A partir desse momento, muitos caminhos se abriram, demandando dos profissionais novas habilidades e a perspicácia para entender o momentum e se permitir testar novos caminhos. Penso que a ideia de que só quem está na linha de frente da assistência é que está exercendo a “real vocação da medicina” está ultrapassada.
Por exemplo, quando eu servi ao Governo do Estado de São Paulo, havia decisões que tomávamos que tinham a capacidade de afetar 40 milhões de cidadãos – desenvolvemos estratégias para distribuição de medicamentos de alto valor agregado (especificamente oncologia, imunobiológicos e doenças raras), órteses, próteses, materiais cirúrgicos especiais e outros dispositivos médicos. Outro exemplo: em minha passagem recente pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), colaborei para digitalizar e facilitar todo o processo de solicitação de isenção de rodízio de automóvel dos médicos junto à Prefeitura de São Paulo, possibilitando que 140 mil médicos evitassem perder metade de um dia de trabalho para cuidar de uma questão meramente administrativa (podendo usar esse tempo para seguir prestando assistência à população).
Concordam que estamos falando de funções executivas que também geram impacto na sociedade? A assistência ao paciente sempre foi e sempre será a pedra fundamental da medicina. Mas a cadeia de valor da saúde, suas peculiaridades e complexidades, oferecem oportunidades de carreira em diversos segmentos para os quais pouca gente ainda está olhando. Posso listar algumas aqui de imediato: operadoras de saúde (mercado privado), carreiras em multinacionais farmacêuticas ou de devices médicos (equipamentos cirúrgicos, órteses e próteses), oportunidades em grupos hospitalares e redes de diagnósticos, administração pública e órgãos reguladores.
Por isso, se o termo “médico-executivo” ainda soa estranho para você, saiba que essa é uma realidade em transformação. É um conceito moderno, que transcende o benefício direto de um único paciente, podendo contribuir de forma ainda mais abrangente e impactante para o aperfeiçoamento dos sistemas de saúde. Para exercer essas funções, esses profissionais precisam unir ao conhecimento técnico-científico algumas outras expertises, como as de economia, finanças, gestão de negócios, comunicação, marketing, leis e regulamentações, direito à saúde, inovação, digital trends, e acima de tudo, mentalidade empreendedora, disciplinas que não fazem parte da grade curricular da graduação.
O que vemos, portanto, é um descompasso entre o perfil dos profissionais que estão sendo formados e o perfil que o mercado deseja e precisa!
Vamos conversar? O que vocês pensam a respeito deste tema?