Um dos livros interessantes que eu li recentemente chama-se “More from Less” de Andrew McAfee, e defende que uma sociedade depende de quatro fatores básicos para suceder, também chamados de “cavaleiros do progresso”: capitalismo, governo competente, opinião pública atenta e livre desenvolvimento e acesso às tecnologias.
Especificamente no setor de saúde, grandes dilemas se colocam diante de todos os players de saúde, quer sejam do setor privado, quer sejam do setor público. É imprescindível a atenção para os temas de maior morbimortalidade populacional, os quais devem sempre estar no radar dos policy makers, ou seja, pessoas com autoridade para tomada de decisão ou influência para que determinado tema seja priorizada.
Para o sistema público de saúde, estas autoridades podem estar no Poder Executivo, reunidos sob o Ministério da Saúde, principalmente, mas não exclusivamente, e no Poder Legislativo, através da Câmara dos Deputados e Senado Federal. Para o sistema privado, esse processo caminha sob a tutela e cuidado da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Com efeito, no Inglês há duas palavras para “política”: politics que denota todo o processo de ponderação e até mesmo negociação, e policy que denota o resultado, a definição, a decisão, a qual afetará igualmente todos os cidadãos do país. Em última análise, “política” (policy) significa uma decisão aplicada igualmente a todos os sujeitos. Política de saúde, portanto, aponta para uma decisão que afetará todos os usuários do sistema único de saúde (SUS) ou sistema privado de saúde.
O brasileiro tem como uma de suas maiores preocupações o tema da saúde, conforme pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Há diversos desafios, a disponibilidade de prontos-socorros, leitos hospitalares, exames complementares, e também o de atualizar os tratamentos disponíveis, tais como medicamentos, órteses, próteses, material cirúrgico, dentre outros. Isto requer sempre grande agilidade e precisão de toda a cadeia de valor em saúde.
Para que um medicamento seja disponibilizado para a população sem custo direto ou adicional, os medicamentos devem passar por uma avaliação em Comitês específicos, e só depois de receberem a aprovação podem ser disponibilizados aos cidadãos. A este processo chamamos comumente de “incorporação de tecnologias”. Quanto maior o benefício clínico de uma tecnologia, maior será a chance de ser incorporada. O mesmo raciocínio é válido caso a tecnologia cause menor impacto orçamentário.
O processo possui a seguinte arquitetura:
1. Pesquisa e desenvolvimento (P&D ou R&D): geralmente é a iniciativa privada que coloca seus recursos a risco para pesquisar soluções para necessidades médicas não atendidas
2. Uma vez que o produto se prova seguro e eficaz, ele recebe o registro sanitário no país ou em diversos países
3. Especificamente no Brasil, o preço máximo do medicamento é regulado, e deve ser estabelecido antes da comercialização
4. O produto pode ser comercializado nas farmácias e pontos de venda, ou por intermédio de distribuidores, porém isso não significa que ele estará imediatamente disponível de maneira ampla no SUS ou em hospitais ou clínicas privadas
5. A adoção do uso dos medicamentos por hospitais de alta complexidade ou por institutos renomados é um fator preditivo de seu sucesso. E favorece – aumenta as chances – de o medicamento ou device médico receber chancela. Aqui o protagonismo da classe médica – o medical advocacy – contribui sobremaneira para o contínuo aperfeiçoamento dos sistemas de saúde, tanto na forma da prescrição das terapias de maior eficácia e menores efeitos colaterais para seus pacientes, bem como na inclusão destas tecnologias durante atualização de guidelines médicos
6. Os Comitês de avaliação de tecnologias emitirão juízo sobre fazer ou não a incorporação. Nesta etapa, a classe médica também estará representada pelas mais eminentes sociedades de classe, expressando opinião científica sobre as tecnologias. Importante ressaltar que a opinião da sociedade também ocorre através das consultas públicas ou mesmo das audiências públicas
7. Se houver negativa por parte dos Comitês, a decisão implica em que cada cidadão deverá buscar acesso ao medicamento de forma individualizada. Se houver aprovação, o medicamento poderá chegar a todos que lhe necessitarem, sem custo direto
8. Fontes de financiamento são definidas, para garantir reserva de recursos
9. Processo estratégico, de compra e logística entram em operação. Passo super desafiador no Brasil, dadas as suas dimensões continentais e heterogeneidade de necessidades
10. Pacientes podem retirar os medicamentos em clínicas, farmácias, hospitais ou através de programas ampliados, tal como o Farmácia Popular.
As tecnologias de saúde fizeram com que a expectativa média da humanidade saltasse de 35 anos para 78 anos. Um ganho expressivo de mais de 40 anos durante os últimos 200 anos. Graças aos esforços de todos os players desta cadeia de valor, atualmente uma cidadã ou um cidadão tem qualidade de vida superior à de uma rainha ou rei do passado. Trocando em miúdos, a cada ano, os cidadãos do mundo ganham, em média, 2 meses adicionais na expectativa de vida.
Se por um lado, esta conquista impressionante se deve aos esforços ininterruptos dos laboratórios farmacêuticos, dos governos responsáveis e do coletivo atento, expressando suas preocupações e prioridades, por outro tal harmonia estará crescentemente sob maior desafio.
Uma coisa é inquestionável e não mudará, gente gosta de gente, de cuidado, de atenção, e a contribuição médica continuará ser passo estruturante neste processo.
E você, o que acha do futuro das incorporações de tecnologia?